segunda-feira, 10 de novembro de 2025

ê bumba-iê-iê boi, ano que vem, mês que foi

“E fique sabendo: quem não se arrisca não pode berrar. Citação: leve um homem e um boi ao matadouro. O que berrar mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o boi. Adeusão”
- Trecho do poema Pessoal intransferível, de Torquato Neto, escrito um ano antes de ele apagar a luz em 10 de novembro de 1972, um dia depois de completar 28 anos.
Acima, um trecho da fala da artista plástica Anna Bella Geiger no documentário Torquato – Imagem da incompletude, de Danilo Carvalho e Guga Carvalho, 2019.
O título da postagem é um verso de Geleia geral, de Torquato, musicado por Gilberto Gil, gravado no disco Tropicália ou Panis et Circencis, 1968.

lágrima nordestina


 

domingo, 9 de novembro de 2025

Torquato Neto


 

a que será que se destina


Foto Acervo família Torquato Neto

O meu nome é Torquato
O do meu pai é HELI
O da minha mãe SALOMÉ
E o resto ainda vem por aí


Primeiro poema de Torquato Neto, escrito aos 9 anos de idade, em Teresina, 1953, mencionado no documentário Torquato Neto - Todas as horas do fim, de Eduardo Ades e Marcus Fernando, 2017.
Hoje, 9 de novembro, se acaso a sina do menino infeliz não se nos ilumina, ele faria 81 anos pessoais e intransferíveis.
Acima, Torquato Pereira de Araújo Neto em frente ao Teatro 4 de Setembro, Praça Pedro II, na capital piauiense.

sábado, 8 de novembro de 2025

pinta de delegado


Meu caro amigo ator Robério Diógenes, você tem pinta de delegado. Delegado doutor Euclides de "O agente secreto".

Brilhante atuação! Parabéns!

Foto: Celiane Oliveira, Bar Estoril, Fortaleza, 2014.

os agentes cearenses


 

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

os instantes de Cecília


Motivo, publicado em Viagem (1939), é o poema mais substancial em metalinguagem, significado e definição de Cecília Meireles:
"Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta."
A análise semântica que se faz de cada verso,
"atravesso noites e dias
no vento”
“se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço”,
traça um perfil elucidativo de quem tem o dom e o fado de lapidar a vida com a mais íntima manifestação da literatura: a poesia. O canto.
124 anos hoje do nascimento de Cecília.
Mais de um século de asa ritmada. Se fica ou passa, ela sabia que cantava. E a canção é tudo.
Foto década de 50, Acervo Solombra Brooks

 

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

"o erro é construção"


Trecho da entrevista da poeta portuguesa Matilde Campilho ao jornalista Eric Nepomuceno no programa Sangue Latino (Canal Brasil, 2020).

Em referência e endosso a sua reposta, ela cita Samuel Beckett numa passagem da novela Worstwald Ho, incluída, com outros dois textos, no volume Nohow on (1989).
A frase do dramaturgo irlandês, mais do que uma repetição motivacional que se vê por aí, é um dos tantos elementos do cerne filosófico de sua obra. "Sempre tentaste. Sempre falhaste. Não importa. Tente de novo. Falhe de novo. Falhe melhor", como está na novela, expressa e define a persistência necessária do ser humano como superação ao atravessar um fracasso.
Relendo Joquei, o primeiro e ótimo livro de Matilde Campilho, de 2014, percebe-se o quanto sua poesia, com sutileza e beleza, é permeada por alusões filosóficas.

segunda-feira, 3 de novembro de 2025


 

esquina equatorial


Equatorial, uma das belas composições de Lô Borges, de 1979, em parceria com o Beto Guedes e o irmão Márcio Borges, fala sobre uma jornada pessoal de busca incessante (“eu vou sair outra vez, / onde morre a trilha do meu silêncio / vou te buscar”).

O poeta percorre o tempo e o espaço simbolizados pela repetição dos versos, como um mantra. “Pela noite equatorial” e “Pelo dia equatorial” ele sempre vai sair outra vez em busca de algo maior.
No documentário Nada será como antes - A música do Clube da Esquina, de Ana Rieper (2024), há uma sequência em que Lô Borges ao lado de Márcio saem do Edíficio Levy, onde moravam, em Belo Horizonte, e caminham pelas ruas em direção à esquina que virou clube daquela turma. Lô fala da composição.
A sequência é editada com imagens de ruas da década de 60, o que dá um efeito de viagem no tempo em direção ao que foi e nada será como antes.
Lô Borges partiu nesta manhã. Dobrou a esquina aos 73 anos.
“Clara dor tropical” de uma saudade.

domingo, 2 de novembro de 2025

locações na Palestina

 


Em meados de 1963, Pier Paolo Pasolini viajou a Israel, Jordânia e Palestina. Com ele dois produtores cinematográficos, o diretor de fotografia Tonino Delli Colli, o padre jesuíta Andrea Carraro e o exegeta bíblico Lucio Settimi Caruso.

Marxista, ateu anticlerical, o cineasta preparava a produção de O Evangelho segundo Mateus (1966), uma visão muito própria da pregação e martírio de Jesus Cristo, reinventando a figura mística através dos diálogos canônicos escritos pelo mais realista dos seus quatro discípulos. Pasolini pretendia mostrar, e o fez, não somente um Cristo precatado, mas um líder que questiona e reivindica.

A viagem aos países do Oriente Médio foi para conhecer, analisar e mapear locações para o filme, por isso sua assessoria, a técnica e a religiosa. Pasolini queria filmar nos locais onde Jesus teria passado.

Depois de duas semanas de andança pelo chão sagrado, viajando em aldeias, ouvindo e conhecendo a história do povo árabe com seu plano de partilha transfigurado, o cineasta desiste de levar as câmeras para lá e a produção define as filmagens no sul da Itália.

Naquele começo de década, a Palestina já estava com quase todo seu território ocupado pelo Estado de Israel, fundado logo após a Segunda Guerra Mundial. “Israel é moderna demais. Os palestinos, muito infelizes”, declarou Pasolini em entrevista. Para ele seria impossível acreditar que os ensinamentos de Jesus tivessem alcançado aqueles rostos.

Por outro lado, a viagem resultou em um ótimo documentário de 52 minutos, “Sopralluoghi in Palestina per Il Vangelo Secondo Matteo” (1965), uma preciosa crônica do itinerário do cineasta na Terra Santa. Embora o toquem profundamente, os lugares da Paixão o decepcionam, sentimento muito claro nos enquadramentos, nos olhares flagrados pelo fotógrafo Tonino Colli, nos comentários e reflexões de Pasolini para o religioso Carraro. Ao procurar o antigo e o sagrado, numa paisagem onde tudo parece queimado na matéria e no espírito, o cineasta encontra a modernidade tirânica e a miséria intolerável.

Hoje, 50 anos da morte do cineasta.

Acima, um trecho do documentário.